quarta-feira, 20 de agosto de 2014

Através do Tempo - Senhora, José de Alencar

Durante uma semana eu avaliei e reavaliei com qual livro eu reestrearia a coluna Através do Tempo. Vários passaram pela minha cabeça, mas eu pensei que seria legal começar com título nacional. Afinal, a nossa literatura, por vezes, acaba sendo rechaçada pelos atuais leitores, que a julgam chata e antiquada. Eu comecei com literatura brasileira e ao contrário da maioria, acho os nossos clássicos tão legais quanto os Best-Sellers que circulam por aí. E pensando nisso, eu resolvi falar sobre um livro, que na minha opinião, é um dos melhores romances da literatura brasileira, tanto pela ousadia, quanto pelo enredo. Este livro é Senhora, de José de Alencar, um dos meus clássicos preferidos.



Sinopse: Aurélia Camargo, filha de uma pobre costureira e órfã de pai, apaixonou-se por Fernando Seixas – homem ambicioso - a quem namorou. Este, porém, desfez a relação, movido pela vontade de se casar com uma moça rica, Adelaide Amaral, e pelo dote ao qual teria direito de receber. Passado algum tempo, Aurélia, já órfã de mãe também, recebe uma grande herança do avô e ascende socialmente. Passa, pois, a ser figura de destaque nos eventos da sociedade da época. Dividida entre o amor e o orgulho ferido, ela encarrega seu tutor e tio, Lemos, de negociar seu casamento com Fernando por um dote de cem contos de réis. O acordo realizado inclui, como uma de suas cláusulas, o desconhecimento da identidade da noiva por parte do contratado até as vésperas do casamento. Ao descobrir que sua noiva é Aurélia, Fernando se sente um felizardo, pois, na verdade, nunca deixara de amá-la. E abre seu coração para ela. A jovem, porém, na noite de núpcias, deixa claro: "comprou-o" para representar o papel de marido que uma mulher na sua posição social deve ter. Dormiram em quartos separados. Aurélia não só não pretende entregar-se a ele, como aproveita as oportunidades que o cotidiano lhe oferece para criticá-lo com ironia. Durante meses, uma relação conjugal marcada pelas ofensas e o sarcasmo se desenvolve entre os dois.


O livro foi publicado em 1875 e pertence ao Romantismo, mesmo que já incorpore alguns aspectos realistas, como a crítica a sociedade burguesa. 

Como diz na sinopse, o livro conta a história de Aurélia, uma jovem de origem pobre, com uma mágoa no coração, que de repente se descobre herdeira de uma fortuna. Movida pelo orgulho ferido e o desejo de vingança, ela arma um plano para humilhar Fernando, seu ex-noivo e causador de todo seu sofrimento. Mas, mesmo em meio a mágoas e humilhações, os protagonistas não conseguem esquecer a paixão que ainda nutrem um pelo outro. E a história se desenvolve nesse dilema: continuar com a vingança e se condenar ao sofrimento de um casamento de aparências, ou perdoar e se entregar ao amor que continua vivo em seus corações.

Um dos pontos fortes da obra e o que me fez amar esse livro, foi a personagem central, Aurélia. O primeiro contato entre o leitor e ela, se dá de imediato. Em um baile, conhecemos uma mulher de personalidade forte e ideias radicais, que a põe qualifica como uma mulher a frente do seu tempo. Olhando do ponto de vista da época, uma mulher como ela era vista com maus olhos pela sociedade, principalmente pelas senhoras distintas que consideravam seus modos impróprios para moças bem educadas. Mas ao mesmo tempo, sua personalidade forte e espirituosa causava um fascínio nos outros, principalmente nos homens, que não se importavam em serem tratados como mercadorias por ela. Porém, a medida que o enredo se desenrola, no íntimo de seus pensamentos e de sua casa, Aurélia se mostra uma menina desiludida – mesmo que ainda um pouco romântica – , magoada e frágil.

Fernando também traz em seu perfil certa dualidade. De um lado está o homem apaixonado, que não nega o amor que sente por Aurélia. Do outro está o jovem que, mesmo sendo de uma situação financeira menos favorecida, está acostumado com as regalias da alta sociedade que despertam nele certo caráter ambicioso. E na maior parte da história, vemos esse lado dele se sobressair, seja no começo quando ele rompe seu primeiro noivado com Aurélia por não querer perder a liberdade e viver na pobreza, seja quando ele busca obter a liberdade do casamento com a pobre Aurélia. Mas como toda obra do romantismo, o amor que ele sente por sua amada, que é capaz de mudar e transformá-lo aliado ao seu sofrimento por não poder tê-la em seus braços como se fosse um casal verdadeiro, se torna sua principal qualidade.

O livro é dividido em quatro partes, O Preço do Casamento, Quitação, Posse e Resgate. Em cada uma dessas partes o leitor encontra ápices na narrativa que envolvem o leitor de forma atraente e segura. Com descrições extensas (que para alguns se torna cansativa) e detalhadas, o autor eleva os momentos de clímax magistralmente. E depois de torcer para a resolução da situação dos dois personagens, o leitor chega a uma cena intensa no final do livro que te faz segurar a respiração enquanto ela não termina.

Como eu disse anteriormente, eu sei que existe um enorme preconceito com a literatura brasileira. Mas eu volto a dizer, existem muitas história nela que em muito se assemelham com as que encontramos hoje em dia. Basta você procurar que você vai encontrar. E esse romance, é a prova que até mesmo as leituras que nos são passadas na escola podem ser prazerosas. 


"Há anos raiou no céu fluminense uma nova estrela.
Desde o momento de sua ascensão ninguém lhe disputou o cetro; foi proclamada a rainha dos
salões.
Tornou-se a deusa dos bailes; a musa dos poetas e o ídolo dos noivos em disponibilidade.
Era rica e formosa.
Duas opulências, que se realçam como a flor em vaso de alabastro; dois esplendores que se
refletem, como o raio de sol no prisma do diamante."

"Esse fenômeno devia ter razão psicológica, de cuja investigação nos abstemos; porque o coração, e ainda mais o da mulher que é ela toda, representa o caos do mundo moral. Ninguém sabe que maravilhas ou que monstros vão surgir desses limbos."
"Não se assassina assim um coração que Deus criou para amar, incutindo-lhe a descrença e o ódio"

"O ciumes não nasce do amor,e sim do orgulho. O que dói neste sentimento creia-me,não é a privação do prazer que o outro goza, quando também nós podemos goza-lo e mais. É unicamente o desgosto de ver o rival possuir um bem que nos pertence ao cobiçarmos, ao qual nos julgamos com direito exclusivo e em que naõ admitimos partilha."

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